‘Gatonet’ agora usa a internet e se espalha por bairros do Rio; operações apreenderam 1 milhão de equipamentos ilegais em 2020
Criminosos usam aparelho (TV Box) com software ilegal para piratear sinal de filmes e TV por assinatura. Material contrabandeado apreendido nas ações da Receita Federal com polícias Federal e Civil vale mais de R$ 1 bilhão.
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Em folheto, vendedor de gatonet oferece todo o conteúdo de filmes e TV por assinatura por apenas R$ 30 mensais. — Foto: Alba Valéria Mendonça/G1
Como uma praga, que começou com o roubo de cabos e instalação de antenas paralelas, o gatonet – como é chamado o sinal de TV fechada clandestino – evoluiu.
Os criminosos agora estão usando a internet para oferecer acesso a sinais de filmes e de canais de TV por assinatura. E como não depende mais de uma central física de distribuição de sinal, os negócios ganharam uma expansão. Antes restrito a favelas e comunidades, o gatonet esticou as garras para bairros da Zona Norte do Rio.
Todo o processo que envolve a prestação desse serviço é ilegal. Desde a exibição de filmes e produções audiovisuais, sem pagamento de direitos autorais, ao contrabando do decodificador, do tipo TV Box, passando pela instalação do software pirata, que capta irregularmente o sinal das operadoras de TV por assinatura.
No ano passado, as autoridades apreenderam mais de 1 milhão de aparelhos TV Box contrabandeados, no valor de R$ 1 bilhão.
Números do gatonet
Em 2021
- Operações conjuntas: 9
- Aparelhos apreendidos: 120,2 mil
- Última operação integrada: em 31 de março
- Apreensão nesta operação: 13.200 aparelhos
- Valor estimado deste contrabando: R$ 9,9 milhões
Em 2020
- Operações conjuntas: 23
- Aparelhos apreendidos: mais de 1 milhão
- Valor estimado do contrabando: cerca de R$ 1 bilhão
Fonte: Divisão de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho (Receita Federal) e Polícia Civil
“Tudo é crime. Então, as pessoas devem desconfiar de empresas ou pessoas que oferecem acesso ilimitado a 700 canais de filmes e TV, cobrando quantias irrisórias, que muitas vezes chegam a 10% do valor cobrado pelas operadoras de TV a cabo. Por isso, quando alguém recebe uma oferta como essa, deve comunicar o caso a uma delegacia”, disse o delegado Fabrício Oliveira, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil.
‘Serviço paralelo’ em expansão
O serviço, anunciado como IPTV – que decodifica e transmite os sinais de TV via internet banda larga – vem sendo ampla e irregularmente ofertado em favelas e comunidades, principalmente por milicianos.
E agora começa a chegar a bairros da Zona Norte, como Rocha, Maracanã, Riachuelo. Mas podem alcançar qualquer região do Rio. Folhetos de propaganda são discretamente deixados em portarias e caixas dos Correios.
Num deles, por R$ 30 mensais, é possível ter acesso a mais de dez mil conteúdos, incluindo toda a programação de canais de TV por assinatura, além de filmes e séries, e serviços on demand (assistir aos programas de que mais se gosta na hora em que quiser),com imagem em alta definição. E avisa: “Alô, alô, não é gato”.
Vendedor explica uso do aparelho
Ou, como diz um vendedor, depois de destacar que é preciso baixar um aplicativo no celular do cliente:
“É IPTV, funciona através da internet direto na TV. Não precisa de cabo, de fio. A instalação é on-line. Só precisa ter alguns desses aparelhos descritos no panfleto. Ou Smart TV ou TV Box. Ou um celular, um computador, um notebook, um tablet, entendeu? Toda programação de canal fechado é liberada na TV ou no aparelho que você quiser assistir. Fica mais barato porque é pelo sinal da internet, entendeu?”
O vendedor diz ainda que se trata de um “serviço paralelo”. Ou seja, não está ligado a operadoras de telecomunicação oficial, como Claro ou Sky.
E como o sinal dos canais de TV fechados é captado pelo Wi-Fi, é preciso que o cliente disponha de serviço de internet de mais de 20 megas de velocidade para não ter problemas com as transmissões.
“Com menos do que isso, não posso garantir a qualidade. Agora, se a sua TV não for Smart TV, tem de comprar um TV Box. Eu não vendo TV Box, mas é fácil comprar. Tem em qualquer magazine, na Uruguaiana. Dá para comprar pela internet também”, informou o vendedor, dizendo que o aparelho deve custar uns R$ 150, mas esse valor compensa com a baixa mensalidade que ele oferece.
Ou seja, quem não tem uma Smart TV precisa desse decodificador que, quando conectado à internet via Wi-Fi, se transforma num centralizador e reprodutor de conteúdos de mídia de uma TV.
“Eles compram esses aparelhos muito barato na China. Antes, instalavam um dispositivo pirata para captar o sinal da TV por assinatura. Agora, os aparelhos já chegam com esse dispositivo. O TV Box não é ilegal, ele é aparelho para transformar uma TV normal em Smart TV, mas o contrabando e o dispositivo são ilegais”, afirma o delegado.
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Decodificadores que, com software pirata, captam ilegalmente sinal de TV por assinatura e de filmes, e transformam aparelhos de TV comum em Smart TV — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Mais de 1 milhão de aparelhos apreendidos
O delegado Fabrício Oliveira diz ainda que essa nova modalidade de gatonet, que se vale da tecnologia, é mais difícil de ser encontrada, já que os desvios de sinal são feitos pela internet.
“Os criminosos não precisam mais de uma central física de distribuição do sinal. E como não estão mais limitados geograficamente por cabos e antenas, estão saindo das comunidades e se estendendo por bairros e outros cantos da cidade, onde tenha sinal de internet. Isso demanda uma investigação muito mais apurada”, disse.
O delegado diz que o desmantelamento de quadrilhas que exploram essa nova modalidade do gatonet é mais complexo, trabalhoso e delicado. São feitas operações da Polícia Civil integradas com a Polícia Federal e a Receita Federal, para evitar o contrabando dos aparelhos (TV Box).
A Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª Região Fiscal (ES/RJ) informa que o aparelho certificado pela Anatel pode ser importado e comercializado normalmente, mas a maioria chega ao país contrabandeado.
E é aí que está o “pulo do gato”: nesses aparelhos que chegam ilegalmente são instalados aplicativos para furto de sinal de TV a cabo e exibição ilegal de filmes, o que fere a lei dos direitos autorais.
Operações para desestruturar quadrilhas
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Apreensão de 24.800 aparelhos de TV Box contrabandeados com software pirata, em 23 de março em ação conjunta da Receita Federal com as polícias Civil e Federal, no Rio — Foto: Receita Federal/Divulgação
O superintendente da Receita Federal no Rio de Janeiro, Flávio José Passos Coelho, diz que operações integradas ajudam a desmantelar a estrutura de financiamento de quadrilhas que atuam no estado, na oferta do gatonet.
“O comércio ilegal de mercadorias traz prejuízos para todos, eliminando empregos e investimentos no Brasil e, além disso, acarreta o cometimento de outros delitos graves por parte das organizações criminosas que promovem essa prática. A atuação firme da Receita Federal na apreensão desses aparelhos impede também que seja instalada uma rede clandestina de prestação de serviços ilegais”, disse Coelho.
Segundo a Superintendência da Receita Federal, o gatonet é feito sem recolhimento de qualquer tributo sobre a comercialização de assinaturas, ou mesmo sobre as receitas de quem explora essa atividade.
Estima-se que o prejuízo aos cofres públicos alcance centenas de milhões de reais todos os anos.
A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), estima que o gatonet cause um prejuízo de R$ 8 bilhões por ano às empresas de telecomunicação.
A ABTA diz ainda que, em todo país, mais de cinco milhões de pessoas acessam canais de TV e filmes sem pagar.
A pirataria é considerada a principal responsável no atraso dos programas de inclusão digital do país, segundo a associação.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) diz que o serviço IPTV, apesar de utilizar as redes de telecomunicações para acesso ao usuário final, não é regulado pela agência. Porém, a distribuição de conteúdo audiovisual deve obedecer à legislação sobre direitos autorais, regulado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). E aí, a transmissão de filmes e séries sem o pagamento de direitos autorais é crime.
Decodificador tem de ser homologado pela Anatel
Quanto aos aparelhos TV Box, eles precisam ter certificação e homologação da Anatel para que possam ser utilizados ou comercializados no país. Mas a homologação será negada caso o produto se preste a fins ilícitos, como é a captação ilegal de conteúdo protegido por direito autoral.
A Anatel ainda alerta para o fato de que os TV Box não homologados podem conter softwares destinados à captura de dados pessoais e financeiros dos usuários ou à geração oculta de criptomoedas.
Ainda segundo a Anatel, usuários ou comerciantes de produtos não homologados estão sujeitos à apreensão dos produtos e multa, que pode chegar a R$ 50 milhões.
Em 2020, a Anatel retirou do comércio mais de 500 mil produtos para telecomunicações não homologados, sendo a maioria aparelhos tipo TV Box destinados à recepção de conteúdo pirata.
A lista dos produtos regulamentados, que podem ser utilizados sem problemas, está aberta à consulta no site da Anatel.
A regulação do mercado audiovisual e sua fiscalização são competência da Ancine, que desde meados de 2020 se uniu à Anatel para bloquear sites de IPTV piratas e retirar do ar esses sites de forma quase imediata, como já acontece em países da Europa.
Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/04/15/gatonet-agora-usa-a-internet-e-se-espalha-por-bairros-do-rio-operacoes-apreenderam-1-milhao-de-equipamentos-ilegais-em-2020.ghtml