RIO — Em meio ao imbróglio judicial que envolve a volta do lockdown em Búzios — que obriga os turistas a deixarem o município da Região dos Lagos até sábado — os quartos para o reveillon estão quase todos já reservados. Pela última prévia divulgada pela Associação de Hotéis do Estado (ABIH-RJ), Búzios está entre as cinco cidades mais procuradas por turistas para o réveillon, apesar da pandemia. Segundo dados divulgados pela entidade na última semana, pelo menos 88,75% dos quartos de hotéis e pousadas da cidade já estão reservados para a data, atrás apenas de Angra dos Reis (92,37%), Itatiaia/Penedo (90,17%) e Arraial do Cabo (90%).

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Mas não é apenas a rede hoteleira que conta com uma suspensão da liminar que proibe a entrada de turistas por tempo indeterminado na cidade. Na internet, são pelo menos cinco festas marcadas para a virada de 2021, já com ingresos à venda. Os eventos se concentram nas badaladas Praia Brava e de Geribá, com entradas que chegam a custar R$ 3,3 mil.

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Família surpreendida

Com sete pessoas da família divididas em dois carros, a servidora pública Graziela Santana, de 47 anos, percorreu mais de mil quilômetros desde o Distrito Federal para passar uma semana em Búzios. Ela soube do lockdown quando estava na altura de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Graziela disse que decidiu arriscar porque tinha reservado uma casa pelo Airbnb. E passou pela barreira.

— Ficamos perdidos. Pensamos em ir para Arraial do Cabo ou Cabo Frio, mas a anfitriã da casa que alugamos sugeriu que aguardássemos um dia para ver se a decisão será revogada — contou.

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Na Pousada Santa Fé, perto da Rua das Pedras, as reservas estavam mantidas. Um funcionário disse que aguarda ser notificado para suspender o funcionamento:

— Tivemos apenas um cancelamento hoje.

Entenda a decisão da Justiça

Um dos destinos mais procurados por turistas no país, que já recebe visitantes para o fim do ano, entrou nesta quinta-feira em lockdown, por ordem da Justiça após alta de casos de Covid-19. Búzios terá que fechar suas portas, por força de uma dura decisão judicial. O primeiro motivo é óbvio: o balneário, assim como outras regiões do estado, assiste a um avanço da pandemia. Na verdade, um disparo da doença já que, em apenas uma semana, foram mais de 400 novos casos na cidade, o que configura crescimento de 3.775%. Mas não é só. O segundo argumento da Justiça é que o coronavírus ameaça muitas vidas no município que não tem sequer um leito de UTI para doentes graves, o que expõe um sistema de saúde frágil para uma Covid-19 que não dá trégua.

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Na sentença, o juiz Raphael Baddini de Queiroz, da comarca de Búzios, descreve o caos, antes de ordenar o fechamento de hotéis, pousadas, bares e lojas, além de mandar que todos os turistas saiam do município em até 72h. O GLOBO apurou que o magistrado fez uma inspeção para saber se um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o objetivo de abrir leitos de terapia intensiva, assinado pelo município com a Defensoria Pública, estava sendo cumprido. E não gostou do que viu. A prefeitura está recorrendo da medida, e nesta quinta-feira moradores e empresários protestaram contra o lockdown em frente ao fórum local. Chegou a acontecer uma ameaça de invasão.

“Em uma semana epidemiológica de outubro de 2020, tinha-se uma dúzia de novos casos para quase uma dúzia de leitos de UTI alegadamente disponíveis. Em uma semana epidemiológica de dezembro de 2020, às vésperas das comemorações de Natal e réveillon, tem-se 453 novos casos para a mesma ‘quase-dúzia’ de leitos de UTI alegadamente disponíveis”, diz o despacho do juiz.

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Na verdade, Búzios não conta com nenhuma UTI na acepção completa do que deve ser uma unidade deste tipo. Lá, há algumas vagas para pacientes de Covid com respiradores, mas casos complexos da doença exigem mais recursos médicos. Mas, de acordo com dados oficiais, a cidade só dispõe de poucas vagas de enfermaria. Médico cardiologista, o prefeito André Granado (MDB), devido a uma condenação por improbidade administrativa, já foi afastado do cargo mais de dez vezes. Em seu lugar, está o vice, Henrique Gomes.

A Defensoria, que entrou com ações cobrando planos de combate ao coronavírus de todos os municípios da Região dos Lagos, alerta para a gravidade do momento.

— Quando veio a segunda onda, constatamos que a Baixada Litorânea é uma das regiões mais atingidas. Então, pedimos que todos os municípios indicassem as medidas que estão tomando e como estão usando os repasses feitos por outros entes federativos — diz Raphaela Jahara, defensora do 3º Núcleo Regional de Tutela Coletiva.

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Repórteres do GLOBO, que estiveram nesta quinta-feira em Búzios, viram que, na barreira sanitária, na entrada da cidade, quem apresentava o QR Code comprovando reserva em hotéis ou pousadas tinha o acesso liberado

A prefeitura de Búzios informou que vai “averiguar as informações” para cumprir a decisão judicial. Também informou que tem 17 leitos, sendo 12 deles de Unidades Intermediárias com respiradores.

Como evitar prejuízo

Quem tinha viagem marcada para Búzios vai precisar negociar com hotéis e agências de viagem para não ficar no prejuízo.

— Como o decreto de calamidade relacionado à pandemia vai até 31 de dezembro, as regras criadas excepcionalmente para o período dizem que o consumidor não tem direito a exigir o dinheiro de volta se o hotel disponibilizar crédito para uso futuro ou remarcar para outra data futura. Essa lei, que é provisória, excepcional, foi criada para proteger as empresas de hospedagem quando isso acontecesse, deixando o consumidor ainda mais vulnerável — diz Igor Britto, diretor Institucional do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

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Pela regra, quem exigir o reembolso em dinheiro pode esperar até 12 meses após o fim da pandemia, com a possibilidade de incidência das multas previstas em contrato.

Para quem a ida a Búzios incluía bilhete aéreo, a orientação da Associação de Defesa dos Direitos dos Passageiros Aéreos é entrar em contato com a empresa para tentar remarcar a viagem.

— A norma não tem isso expresso, mas permite interpretar que, no caso de quem está no meio da viagem, caberia a antecipação sem custos adicionais — disse Brito.